Incêndio na Boate Kiss. |
"Fiz exames porque minha tosse não passava e, com isso, ficou constatada uma queimadura interna, no pulmão. Foi assim que comecei o tratamento no Centro Integrado de Atendimento às Vítimas de Acidentes (Ciava) e até hoje faço acompanhamento com o pneumologista. Fiz fisioterapia até o final do ano passado, agora estou conseguindo fazer natação e outras atividades físicas", conta Cristiane. "O tratamento será para o resto da vida. A cada três meses, volto ao centro para uma série de exames."
O Ciava é um núcleo do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), criado após a tragédia na casa noturna. O hospital foi o primeiro ponto de atendimento e entendeu que precisaria reunir diversos profissionais para que o tratamento fosse adequado às vítimas. O centro atendeu 602 vítimas do incêndio em um conjunto multidisciplinar com pneumologistas, psiquiatras, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, assistentes sociais, psicólogos, enfermeiros e outros. Atualmente, 25 pacientes que estavam na boate na noite do incêndio são acompanhados pelo centro.
Segundo Cristiane, os profissionais do Ciava prestam um atendimento cuidadoso e fraternal com os pacientes. Na avaliação de Cristiane, muitos médicos foram aprendendo a lidar com situação das vítimas e ajustando o tratamento às necessidades individuais.
"Os primeiros profissionais que me atenderam me tratavam como filha. Uma das médicas explicava tudo o que estava acontecendo comigo, quais procedimentos estavam sendo feitos. Eles me falavam que o que acontecia era algo complicado também para eles porque, até então, ninguém havia passado por situação semelhante. Até a medicação foi sendo adaptada ao longo do tempo, pois fazíamos testes, muitos exames, raios x – tudo para avaliar se havia necessidade de alterar a dose de alguma medicação", lembra Cristiane.
Drama
Ela conta que estava em frente ao palco onde a banda tocava e, pouco antes do início do incêndio, saiu para ir ao banheiro com uma amiga. Ao voltar, viu fumaça e o que imaginava ser uma confusão. Quando entendeu a gravidade da situação, tentou sair da casa noturna tampando olhos, boca e nariz, mas a fumaça tóxica atingiu seu pulmão.
Cristiane Clavé estava na noite do incêndio. |
Para a gaúcha, o trauma psicológico é um dos maiores pesos da noite do incêndio. A tragédia provocou a morte de 242 pessoas e até hoje nenhum réu foi responsabilizado. "Ao meu lado estavam cinco meninas, chamadas de cinderelas. Todas morreram. Eu faço tratamento com psicólogo e psiquiatra, mas não consigo esquecer. Não tem um dia que eu não lembre o que passei. Agora, por exemplo, mesmo que eu não olhe para o calendário, meu corpo parece saber que está chegando [a data]. Há três semanas, eu tenho acordado todos os dias no mesmo horário, sem despertador. É no horário que o incêndio estava acontecendo", descreveu. "Eu perdi muito a memória, o que me atrapalha no dia a dia, mas, daquele dia, eu lembro de tudo, de cada passo que eu dei", acrescentou.
Cristiane diz que mantém a lembrança do que aconteceu em homenagem aos amigos que perderam a vida e que fala sobre o assunto para alertar as autoridades a não permitirem outro acidente dessa forma.
"Hoje eu falo para dar voz a quem não pode mais falar. Eu tenho um pulmão e um coração machucados. Muitas vezes, eu mal consigo caminhar porque me dá falta de ar, mas o pior é o sentimento. A tristeza de ter perdido pessoas e a sensação de não ter conseguido voltar e salvar um amigo que foi herói, ele já tinha saído e voltou para ajudar outras pessoas. Foi difícil, mas as pessoas têm que aprender para que isso não se repita."
Da Agência Brasil.
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